quarta-feira, 31 de março de 2010

Enquanto a grama cresce

Pior castigo da gripe? Não poder ir ao cinema. Outro dia li um comentário do Burton sobre o Carroll dizendo que, apesar das diversas interpretações, o texto ainda guarda seus mistérios velados, como algo impenetrável no seu todo.  Não sei muito sobre as coisas impenetráveis. Sei que de perto, bem mesmo, muita coisa nessa vida não faz e nem é para ter sentido. Mas se olhado do avesso, pode-se achar um endereço. E se não posso ir ao cinema, porque as vias entopem, vou rever "Kiriku" com o Gui, que anda crescendo muito rápido.

Ontem, sentindo saudades do colo da mãe, que agora acalenta a mana e seus poucos meses de idade, ele disse que não queria virar bicho, quando for para o outro lado. Eu não sabia nada sobre aquilo, mas já fui adiantando "se tu não queres ser, não serás." Mas tu daqui há pouco vai ficar velha e morrer. Eu não quero envelhecer, nem morrer. Quero ser um menino, só um menino. Quase que disse "quando estiver lá, volto para te contar." Mas seria alimentar seus fantasmas, visto que eu viria a ser um. "Daí, já não sei." Baixei a corneta e respirei fundo. "O que sei é o que me dizem, pois não tenho muita experiência no assunto. A minha mãe dizia que morrer era ir para o céu. Ouvi outras histórias depois, mas de tudo que ouvi, me parece que morrer tem mais a ver com mudar de lugar." E o que é mudar de lugar? "É como quando tu eras pequeno, menor do que agora, moravas numa casa, lembras? Hoje moras em outra." Só não quero virar bicho. E durma, eu, em baixo da cama para espantar todos os outros.

sábado, 13 de março de 2010

Alice

Agora a moda é falar de Alice. Alice para cá, maravilhas acolá. Vão explodir Alices por todos os lados, até desbotar. Até tornarem-na vazia. Mas isso, a história de Alice nunca será.

Adverso do mundo Disney, Carroll nunca foi infantil. Houvesse um romance velado, um desejo secreto, ou uma centopéia falante, de verdade, a verdade sempre teve dois lados. Assim como a história de quem escreve, não é a mesma de quem lê. Uma boa história tem este poder, de desprender-se de seu lugar e acalentar o coração de quem a quiser, esteja onde estiver. É como o alpiste para o passarinho, um bom livro para a alma, que não quer sofrer de inanição, ou morrer antes do tempo, no corpo morno de seu tempo.

Mas é preciso querer. Para viver, é preciso ter vontade alada, alheia e sem arreios. Mesmo sabendo das desvantagens, da corrida sem chegada. Diga-me o significado disto ou serás devorado, será? No fim, todos seremos. Mastigados, triturados, alpistes.

Então, por que a pressa? Aos apreciadores dos mistérios, Alice os convida. Pois, não é a vida, uma grande charada? Estou sem tempo e o tempo sem mim. Para os que não leram Alice, as batatas. Antes de que qualquer prima obra diga o que deves ser, vai e lê. E nesse interim de coisas, entre as descobertas e o fim da linha, é possível que encontres outras passagens, que ninguém conta, ou sabe, ou vê.