quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mas afinal, o que é cinema?

Os bastidores da produção crítica ganham cores e lugar para debate no curso A Crítica de Cinema, uma conversa sem censura com Enéas de Souza, um dos mais reconhecidos críticos de cinema. Em pauta, a história, a indústria cultural, as novas tecnologias, curiosidades e os desafios de um ofício que, texto a texto, se repensa.

Enéas é uma figura ilustre, um dos expoentes da chamada "nova crítica" que surgiu na década de 60, em Porto Alegre. Período de grandes embates sobre a possibilidade de um cinema brasileiro comercialmente viável, a adesão ao cinema clássico, resistência aos vanguardistas, à importância da autoria dos filmes, a polarização entre os cineclubes e efervescente produção analítica de filmes na imprensa, jornais e revistas independentes. Em 1965, aos 27 anos, Enéas lança o livro “Trajetória do Cinema Moderno”, que posteriormente seria reeditado mais duas vezes, com novas leituras sobre Glauber Rocha e Woody Allen, entre outros.

Os anos passam. Os cinemas de rua fecham, dando lugar aos grandes empreendimentos comerciais. E, assim como o cinema, a nova crítica se restabelece em outro lugar. No embate das novas tecnologias, afinal, o que é cinema?

Enéas, na sua trajetória, mais do que uma análise sobre os ícones do cinema, propõe uma investigação sobre o que é o cinema em seu tempo. Naturalmente que trato de discutir a natureza do cinema, mas ela sempre aparece diferente a cada época, mesmo porque a crítica avança, descobre outros temas, afina as suas idéias. Posso dizer sim que o  cinema  tem uma natureza histórica. E de outro lado, veja, o cinema não é o mesmo, principalmente porque a tecnologia se altera, se renova. O cinema de Murnau não usa a mesma tecnologia de David Lynch. E em cima do estado tecnológico do cinema os grandes cineastas inventam novas formas de expressão. Cabe, então, a crítica se renovar para alcançar o entendimento e a inteligibilidade de cada novo momento da História do cinema.

Numa iniciativa que integra o programa do Ciclo Olhares Sobre o Cinema, Enéas ministrará o curso A Crítica de Cinema que acontece de setembro a outubro, com aulas sobre o cinema e seus eixos de relação quanto a sua concepção como arte, indústria, imagem e memória. O objetivo é apresentar um panorama sobre as tendências da crítica contemporânea, ao mesmo tempo em que fornece subsídios para o aluno desenvolver um pensamento mais avançado sobre os fatores que envolvem e promovem a boa articulação de um filme.

Dos quatro eixos que serão trabalhados (arte, indústria, imagem e memória) o foco estará no processo da produção crítica, do crítico como espectador e seu papel social. E junto com a produção crítica o que precisa ser discutido são os autores que  provocam, por conseqüência, estas novas formas de crítica. Assim, haverá uma análise continuada de diversos artistas como Godard, Abel Ferrara, Truffaut, Michael Mann, Fassbinder, João Moreira Salles, Eduardo Coutinho, Scorcese, Orson Welles, Hitchcock, Eisenstein, Almodóvar, Cronenberg, Visconti, Fellini, Olivier Assayas, etc. Enfim, realizadores do cinema clássico e realizadores do cinema moderno e contemporâneo.  As aulas serão desenvolvidas a partir de debates abertos com base numa relação de filmes a ser entregue aos alunos. Naturalmente, uma discussão on line também será estabelecida com a turma, durante o curso.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Eduardo Coutinho em Porto Alegre

Acontece nesta sexta-feira a pré-estréia do filme 'Moscou', última produção de Eduardo Coutinho, às 19h, no Santander Cultural.

O cineasta Eduardo Coutinho virou sinônimo de um documentário capaz de derrubar certos mitos que envolvem o gênero, entre eles o da “verdade absoluta” que, na teoria, deveria ser perseguida pelo formato.

Em "Moscou", Eduardo Coutinho vai além na sua investigação e rompe qualquer linha que possa existir entre o real e o encenado. O cineasta propôs ao grupo mineiro de teatro Galpão documentar o ensaio da peça "As Três Irmãs", clássico russo de Anton Tchecov. Já o diretor do ensaio foi escolhido pela trupe: Enrique Diaz, com quem eles nunca haviam trabalhado.

No decorrer de três semanas, a equipe do Galpão é levada por Diaz, através de exercícios, a se apropriar dos personagens do dramaturgo russo. Os exercícios embaralham vida pessoal dos atores e instância ficcional dos personagens, dando ao espectador a almejada sensação de instante imediato. Em determinado momento, os atores lidam com memórias alheias, evidenciando que o ato de lembrar implica numa “ficcionalização”. Ponto em comum e já explorado em “Jogo de Cena”.

Mas em “Moscou”, Coutinho parece mais interessado na desconstrução da arte: observar o teatro por partes, em cenas fragmentadas, desconstituídas de cenários e personagens sem figurinos, sendo o que importa é o processo do ator. E nesse sentido, Coutinho tem um encontro feliz com o teatro de Enrique Diaz  – diretor que, nos últimos trabalhos, pegava personagens de alguns dos mais consagrados dramaturgos (Shakespeare em Ensaio.Hamlet; Tchekov), e tentava desmontá-los junto com seus atores, como quem procura dentro daquelas peças/personagens/pessoas algum segredo original que explique o fenômeno de sua própria existência – mas também de sua comunicação com as pessoas através dos séculos. Na mão contrária, ele estava traçando, portanto um caminho paralelo ao de Coutinho, que partindo de “personagens reais” vinha tentando cada vez mais desmontá-las como tal, como que para descobrir de seu lado também algum segredo original da comunicação.

Numa série de cenas quase independentes umas das outras, Coutinho (e Diaz) exploram todas as possíveis variações deste mesmo mistério. Ora pegam falas escritas por Tchekov lidas por atores interpretando personagens, ora pegam atores falando de sua própria experiência, ora intercambiam até realidade e memória se dissolverem na narração de quem conta a história, seja sua ou de personagem. E, nesses momentos, as fotografias são um dos elementos fortes. Numa das primeiras cenas, um rapaz mostra uma fotografia e diz ser de Moscou. Ele conta que morou na capital russa e, quando voltou, anos mais tarde, sentiu muita dor ao ver o cinema que freqüentava sendo demolido.

Moscou, tanto a cidade como a palavra, é para os personagens a perda de um sentido para o futuro, ou preso no passado. E, daí, a poesia, a angústia de cada um. E, ao mesmo tempo, de todos nós. Um projeto inacabado por uma impossibilidade parece ser o sentimento mais presente neste filme.

Moscou
Pré-estréia e sessão comentada com Eduardo Coutinho
Sexta-feira, dia 4 de setembro, às 19h
Santander Cultural